Assim como tantos outros setores, a indústria farmacêutica não passou ilesa ao aumento dos custos de insumos e os impactos causados à produção já chegam ao consumidor. Mais uma vez, o desequilíbrio entre oferta e demanda gera, entre outras consequências, falta de medicamentos nos hospitais das redes pública e privada, restrição de certos remédios em farmácias e drogarias e reajustes de algumas substâncias.

Como forma de tentar amenizar a situação, o governo federal, por meio da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), autorizou a suspensão do preço máximo para a aquisição de remédios em falta. Até agora, preços de nove substâncias já foram revistos, número que deverá saltar para pelo menos 20 até o fim de 2022.

O objetivo é tentar evitar o desabastecimento de antibióticos e analgésicos, por exemplo, no momento em que a indústria afirma que a alta dos custos de produção impulsionou os preços de comercialização a um patamar acima do teto estipulado. A suspensão tem validade até o fim de 2022.

A preocupação com o cenário já fez inclusive a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) encaminhar ofícios ao Ministério da Saúde alertando para a situação. Eles citam falta de antibióticos, antitérmicos, xaropes, antigripais, entre outros.

O levantamento mais recente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), divulgado na semana passada, mostra que 80,4% dos municípios têm sofrido com a falta de medicamentos. Amoxicilina lidera a lista e a dipirona vem em segundo lugar. A dipirona injetável e a prednisolona também se encontram entre os mais mencionados. A ausência dos medicamentos já dura entre 30 e 90 dias na metade dos casos. O problema se estende por mais de 90 dias em 20% das situações.

Sindicato diz há demanda atípica por remédios
Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), o expressivo e atípico aumento de demanda por determinados remédios, como antibióticos e analgésicos, no primeiro trimestre de 2022, desorganizou a cadeia de fornecimento. Com isso, varejo (farmácias e distribuidores) e hospitais públicos e privados sofrem as consequências.

Por meio de nota, a entidade disse que, no momento, não há problemas de fornecimento de insumos farmacêuticos ativos (IFA), conforme informações das empresas associadas. “Há, sim, problemas de fornecimento de outras matérias-primas, como materiais de embalagem”.

E ressaltou que, apesar da situação, a indústria farmacêutica aumentou a produção e a venda de produtos importantes, como o antibiótico amoxicilina e o analgésico dipirona. Informou que nas farmácias houve aumento das vendas da ordem de 35% dos remédios. E que nos hospitais há problemas pontuais de fornecimento de determinados medicamentos. O caso notório, de acordo com o Sindusfarma, é o da dipirona injetável, cujo fornecimento foi afetado principalmente porque os custos de produção ficaram acima do preço de venda autorizado pelo governo.

“A explosão dos preços internacionais de IFAs e de logística, provocada pela pandemia, agravou essa situação, prejudicando a produção de muitos medicamentos antigos, mas muito importantes para a saúde pública. Nos hospitais privados, o fornecimento desses produtos deve se normalizar em breve, em função da medida adotada pela CMED. Nos hospitais públicos e nos postos de Saúde municipais e estaduais, a solução pode demorar mais, por causa de problemas específicos, relacionados à burocracia e à logística de aquisição das compras feitas pelo poder público”, disse por nota.

Farmácias destacam falta e aumento de preços de remédios infantis
Embora o sindicato cite apenas o aumento das vendas nas farmácias, representantes de diferentes redes com operações em Minas Gerais relatam a falta e o aumento de preços de vários medicamentos. A farmacêutica de uma unidade de uma grande rede em São João de-Rei (região Central) ressalta a dificuldade com antibióticos, principalmente os infantis. Segundo ela, os médicos chegam a ligar na farmácia para saber quais estão disponíveis antes de prescrever.

“Isso preocupa, porque às vezes não seria o ideal para a criança naquele momento, mas como é único disponível, o médico prescreve. De acordo com as distribuidoras, ainda não há previsão para a normalização do abastecimento”, diz.

A informação foi confirmada por outra profissional que atua em outra rede localizada em Juiz de Fora (Zona da Mata). “Estamos com muita dificuldade em relação aos medicamentos mais usados nesta época do ano, principalmente os infantis. Xaropes, antibióticos, antialérgicos e analgésicos principalmente. Já as substâncias de uso contínuo não estão em falta”, comenta.

Neste cenário, os impactos nas farmácias menores são ainda maiores, porque adquirem os remédios em menores quantidades. O proprietário da Drogaria Viva Popular, com unidades no bairro Céu Azul, região de Venda Nova, e Jardim Laguna, em Contagem (RMBH), Vivaldo Rodrigues, conta que quando os itens são encontrados junto à indústria, não há possibilidade de comprar grandes quantidades. Segundo ele, essa tem sido uma estratégia dos distribuidores para levar os medicamentos a diferentes regiões.

“A demanda está muito elevada e a produção nas indústrias está impactada pela falta de insumos vindos de países como a China e a Índia. Quando o paciente procura algum medicamento que esteja em falta, orientamos o retorno ao médico, principalmente no caso de antibióticos, que são vendidos com receita. Indústrias e distribuidoras nos informam que não há previsão de normalização”, avisa.

Indústria não vê prazo para normalizar abastecimento
A informação foi confirmada pelo presidente da Hipolabor, com fábrica em Sabará, na RMBH, Renato Alves. Segundo ele, em um período superior a 12 meses o cenário poderá ser amenizado, mas não estará resolvido. É que o desequilíbrio na produção da indústria farmacêutica é grande.

Conforme Alves, a cadeia farmacêutica brasileira é muito dependente de insumos vindos do exterior, especialmente da China e da Índia. Durante a pandemia boa parte dos hospitais paralisaram as cirurgias eletivas e direcionaram os esforços para o tratamento da Covid-19. A indústria farmacêutica acompanhou o movimento.

“Os insumos ativos foram destinados a outras doenças e os estoques foram consumidos gradativamente. Hoje há muito estoque de remédios para tratamento de Covid e opções reduzidas dos demais para os pacientes hospitalizados. Além disso, algumas empresas não conseguem trabalhar com performance total devido a casos de Covid entre os funcionários”, explica.

O executivo também cita o aumento dos custos de produção que inviabilizou a fabricação de alguns remédios porque os preços tornaram-se incompatíveis com os novos custos. Conforme ele, em alguns casos, os custos triplicaram. Cenário que vem sendo amenizado com a resolução da CMED.

“Temos um descompasso entre oferta e demanda. A indústria farmoquímica brasileira não tem condição de suprir nem 5% do que a indústria farmacêutica nacional consome. E o atual cenário escancara essas fragilidades. Hoje temos mais de 70 drogas em dificuldade e o processo de reorganização dessa cadeia”, avalia.

Na Hipolabor isso aconteceu especificamente com a dipirona. Apenas nos últimos 30 dias a indústria disponibilizou mais de 5 milhões da droga para o mercado.

Sindusfarq confirma falta de insumos
O Sindicato das Indústrias de Produtos Farmacêuticos e Químicos para Fins Industriais no Estado de Minas Gerais (Sindusfarq-MG) informou que está ciente da falta de alguns IFAs no mercado nacional, o que tem impactado o produto final. Segundo a entidade, este é o caso de alguns antibióticos, analgésicos e alguns outros remédios, que estão temporariamente ausentes no comércio, como drogarias e farmácias, além do abastecimento público do governo.

Isso deriva principalmente da alta demanda gerada pelo consumo da população em geral e no tratamento de algumas doenças a nível hospitalar e da dificuldade de importação dos insumos. “Nesse caso, vale lembrar que o Brasil importa 85% das IFAs que necessita da China e Índia, possuindo uma dependência enorme desses países, consequência de não possuir um parque industrial capaz de sintetizar os insumos necessários às demandas das indústrias farmacêuticas instaladas no País”, explica o sindicato.

O custo de fabricação dos remédios também tem impactado. Tanto nacionalmente quanto internacionalmente, com a oscilação no mercado do preço do petróleo, influencia diretamente nos transportes internacionais e no nacional, agregado aos demais itens, que no Brasil tiveram seus preços elevados, devido à política econômica adotada no País.

“São fatores dessa equação que elevaram o custo fábrica dos produtos. A atividade de fabricação de medicamentos é, talvez, a única com regulação de preço entre fábrica e consumidor, com carga tributária elevada num item que é considerado essencial à população. Isso gera para as empresas dificuldades na hora de fabricar alguns produtos, que possuem um baixo preço de venda, com valores de matérias primas adquiridas em dólar”, diz em nota.

Fonte: Diariodocomercio