Imagem: Envato Elements, por baspentrubas
Imagem: Envato Elements, por baspentrubas

Até 2009, o Sindusfarma era muito focado nas áreas regulatórias e de representação sindical. Quando foi extinta a Febrafarma, a federação que reunia todas as entidades que representavam a indústria farmacêutica, um grupo de executivos das indústrias nacionais e internacionais entendeu que o Sindusfarma deveria ser o campo utilizado pelas indústrias nacionais e multinacionais na discussão de temas relacionados ao desenvolvimento da indústria farmacêutica no nosso País.

Foi a partir desse momento que o Sindusfarma começou a ganhar relevância com discussões de temas, como preços, como as questões regulatórias, enfim, questões que envolviam toda a indústria farmacêutica, sem discriminar a origem de capital. Tanto que o nosso lema, a partir de então, passou a ser “aqui se defende a indústria farmacêutica. Pouco importa se o capital vem do norte do Brasil ou se vem do norte da América do Norte”. O mais importante é que ele esteja aqui, investindo aqui, trazendo conhecimento, ciência para o nosso País, gerando emprego e pagando impostos – que não são poucos – aqui no nosso País.

Entendemos também que o sindicato deveria ter um plano de ação maior, não só em relação à indústria farmacêutica, mas, também, em relação aos prestadores de serviços e fornecedores da indústria farmacêutica. Tínhamos pouco mais de 120 associados e hoje temos 540 associados. Então, efetivamente houve essa mudança de escopo, pois no Sindusfarma não se discute só o que a indústria farmacêutica faz, mas também o que fazem aqueles que fornecem bens e serviços para a nossa indústria, permitindo que as indústrias farmacêuticas continuem tendo qualidade e sendo um importante expoente no País.

Qual é a expectativa do Sindusfarma em relação ao novo governo?
O Sindusfarma entregou à equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um documento com propostas para ampliar o acesso da população aos medicamentos, baseado em quatro pilares, que nós tratamos como um ecossistema.

Em primeiro lugar, olhar a saúde de uma forma estrutural, com uma área de inteligência que nos permita conhecer o que está acontecendo. Hoje, o desenvolvimento da informática e dos meios digitais proporciona ao gestor público um melhor conhecimento do problema, algo fundamental em nosso País, que possui território de dimensões continentais. Esse tipo de conhecimento contribui na gestão eficaz de estoque dos produtos, saber para qual região e qual médico enviar, como você tem de praticar a telemedicina, quais são os cuidados que você precisa fazer.

A segunda questão é a da inovação. Mas não é a inovação pela inovação. Por exemplo, precisamos mexer nas relações de preço, pois sem ter um nível de preço compatível com a inovação, você nunca vai ter inovação no País.

O documento também aborda a reforma tributária. Não só em redução de tributos, mas a de ter uma forma mais justa de recolher os tributos. Hoje, o Ministério da Saúde (MS) paga impostos sobre o medicamento que ele compra para entregar para a sociedade gratuitamente. Tem alguma coisa errada nessa lógica.

Sempre reforço as duas premissas fundamentais para o desenvolvimento da indústria farmacêutica e da indústria de saúde: previsibilidade e segurança jurídica. Em um setor que, para desenvolver um novo produto, precisa de anos de investimentos monstruosos, não tem como dar certo sem elas, porque não há o investimento necessário. Por isso, acrescentamos nesse documento a importância de as autoridades darem segurança jurídica para o investidor.

Como o Sr. avalia o desempenho do sistema de saúde no País?
O sistema de saúde pública brasileiro é um exemplo no mundo. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior plano de saúde que existe no mundo, com, atualmente, 60 ou 70 milhões de pessoas que dependem única e exclusivamente dele e mais de 120 milhões de pessoas que usam o SUS de alguma forma – direta ou indireta. Por isso, o gestor público precisa olhar com cuidado e carinho para ele.

O SUS pode ser uma alavanca extremamente importante para o incentivo do complexo industrial da saúde. O poder de compra do setor público pode ser usado para incentivar a indústria localizada no nosso País ou que ela venha para o nosso País, independente da origem do capital. Então, há essa possibilidade, diante do sistema constitucional de saúde, de usarmos isso, que para muitos é um problema, como uma solução.

Devemos olhar o lado bom dessa história. Há um poder de compra no País que nós podemos usar para transferência de tecnologia, para reduções de preços e para a melhoria do ambiente de negócios no País. Eu não divido público e privado. Saúde é saúde. O privado na saúde é suplementar ao público, auxiliando naquilo que precisa fazer. Agora, não adianta você querer investir em laboratórios públicos para desenvolver produtos. Nenhum país do mundo faz isso. E o Brasil, com recursos extremamente escassos na área de investimento, não pode investir um único real em algo que ele não tenha certeza absoluta do seu retorno. Então, se tiver de investir em alguma coisa, é o setor privado que tem de correr o risco desse investimento. E ajuda, óbvio, o público na hora que desenvolve o produto. E aí, vamos negociar como vender esse produto. Como precificar esse produto. Mas dentro de regras extremamente claras e, mais uma vez, com segurança jurídica e previsibilidade.

Então, reunindo a saúde pública com a saúde privada, você tem importantes ingredientes para fazer o desenvolvimento da saúde no nosso País. E uma coisa é fato: não existe país desenvolvido no mundo que não tenha uma indústria farmacêutica forte. É isso que o gestor público deve olhar.
 
A inserção do setor farmacêutico no sistema de saúde é adequada?
Não tenho a mínima dúvida de que o setor entrega o necessário. Vivemos uma pandemia e vimos isso. As nossas fábricas de medicamentos precisaram trabalhar 24 horas por dia e elas passaram a trabalhar 24 horas por dia.

Nós temos condição de fazer isso. O varejo farmacêutico precisou trabalhar 24 horas por dia no meio da pandemia, ter pessoas trabalhando e nós entregamos. Ou seja, não deixamos o mercado desabastecido, apesar de todo o mundo ter ficado desabastecido.

Ah, foi tudo uma maravilha? Não, longe disso, mas se você comparar com outros países muito maiores, muito mais ricos, muito mais capilarizados na sua saúde, o Brasil se saiu muito bem, até na vacinação.

O que é preciso fazer para impulsionar o desenvolvimento de medicamentos no País?
Criamos no Sindusfarma uma área específica de inovação. Estamos começando as atividades dessa área, discutindo com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e outros órgãos da administração pública (estadual, federal e municipal) formas de fazermos a inovação e de trazê-la para o dia a dia das empresas que estão no Sindusfarma.

Inovação na área da saúde é extremamente complexa e diferente. Eu sempre digo que o Steve Jobs já deixou pronto, antes dele morrer, o iPhone 26. Ele só não está no mercado porque ainda não é momento de ser lançado, por isso, hoje, estamos com o iPhone 14 à venda. Já no nosso negócio, o de desenvolver medicamentos, não é assim, pois exige uma maturação mais complicada. Por esse motivo, precisamos ter um terreno mais estável para desenvolvimento.

O Sindusfarma é conhecido por seu programa de difusão de conhecimento e capacitação. Comente sobre esta ação.
O Omilton Visconde, como empresário da indústria, sentia falta de técnicos preparados para serem empregados na indústria dele. Quando foi presidente do Sindusfarma, ele trouxe para a entidade o professor Lauro Moretto, da Faculdade de Farmácia da Universidade de São Paulo (FCF-USP), para ser o vice-presidente. Durante a sua gestão, o professor Lauro desenvolveu uma série de cursos e de manuais técnicos que impulsionaram a educação dentro do Sindusfarma, incorporando essa vertente no DNA da entidade.

Em 2022, tivemos números excepcionais na área educacional, em parceria com outras entidades, como, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mais de 3 mil pessoas participaram dos seminários que o Sindusfarma realizou com a Agência.

Em 2023, voltaremos a realizar um seminário para falarmos sobre as novas fronteiras do conhecimento. Debatemos no Sindusfarma, por exemplo, o tema da terapia gênica. Antes de termos o primeiro produto de terapia gênica, já estávamos falando sobre como precificar, como registrar, se seria um medicamento ou um tratamento. Por que isso? Porque nós sempre tivemos esse DNA de educação e ele está muito claro na prestação de serviço aos nossos associados e à comunidade de uma forma geral. Ele também está presente no nosso plano estratégico de crescimento para os anos que virão.

O Sindusfarma vai fortalecer a sua atuação em Brasília?
Entendemos a importância do poder central, a importância que o Congresso Nacional tem, a importância que a Anvisa tem e a importância que o MS tem. Por isso, inauguramos, em 2022, o nosso escritório de Brasília.

Atualmente, a equipe do nosso escritório em Brasília conta com três profissionais de altíssimo nível: Marcela Amaral, focada nas questões de acesso; Renato Benini, que acompanha os temas políticos; e Luciana Carrasco, que olha as questões regulatórias. Assim, asseguramos a interação com Brasília.

E como faz parte do nosso DNA, temos planos de, em 2023, expandir a área educacional, que hoje está muito focada em São Paulo para Brasília, para que outros públicos também tenham acesso.

Também estamos construindo nossa nova sede na Vila Olímpia (SP), que mostrará à população a importância que a indústria farmacêutica tem no Brasil. Será uma sede muito inovadora. Teremos espaços de “coworking” para os nossos associados, contaremos com um auditório para os nossos eventos, que também poderá ser usado por nossos associados.

Estamos muito focados no cliente. Sabemos da importância que tem o associado do Sindusfarma. Estamos aqui para prestarmos serviços ao associado. O Sindusfarma precisa que o associado nos traga os seus problemas. Eu não me canso de dizer na diretoria do Sindusfarma: “O problema de uma indústria, hoje, será, certamente, o problema do setor amanhã. O problema do setor, hoje, com certeza, é o problema de uma indústria amanhã”. Pode ser que nesse primeiro momento ela não esteja sofrendo nada e o setor todo esteja preocupado, mas isso vai atingi-la de alguma forma no futuro e, por isso, ela precisa estar preparada e é essa a nossa missão.

Não somos mais uma entidade puramente sindical, que aguarda os acontecimentos para, em seguida, agir. Vamos atrás dos problemas, tentamos solucioná-los ou buscamos evitar que eles aconteçam para não precisar solucioná-los. E isso traz, sem dúvida nenhuma, um desgaste muito grande e discussões infindáveis com o poder público. Mas é sempre no sentido de defender os interesses da indústria farmacêutica estabelecida no País.

Como o Sr. resume a trajetória do Sindusfarma em seus 90 anos de existência?
Não tenho a mínima dúvida de que foi uma trajetória vitoriosa. O objetivo dos abnegados que há 90 anos decidiram montar uma entidade para defender os interesses da indústria farmacêutica estabelecida em São Paulo (SP) continua rodando com muito vigor. Temos uma entidade que defende a indústria farmacêutica que está no Brasil. O Sindusfarma virou uma referência.

O sonho de anos atrás do Cândido Fontoura e de todo o grupo que montou o sindicato era: “o que precisamos fazer para termos uma indústria farmacêutica mais forte no nosso País”. Essa ideia plantada 90 anos atrás se tornou, hoje, uma árvore grande, forte, sólida, mas que precisa ser cuidada, porque se não ela pode, sem dúvida nenhuma, perecer. Então, nossa preocupação é continuar cuidando, olhar o ramo da educação e não se esquecer de olhar esse ramo. Olhar o ramo da inovação e colocar fertilizante nesse ramo.

Olhar o ramo da atuação social e mostrar isso. Olhar o ESG como uma forma de responsabilidade para o desenvolvimento de uma sociedade de uma maneira geral. Quebrar as barreiras de sexo, de cor, de religião para o desenvolvimento de uma sociedade melhor, que faz parte daquilo que está no sentimento da fundação da entidade, que era o de cuidar da vida das pessoas.

Como o Sr. enxerga o futuro do Sindusfarma e da indústria farmacêutica?
Antevejo um futuro ainda mais relevante para o Sindusfarma e a indústria farmacêutica. É sempre um desafio muito grande, porque há uma visão, equivocada, de que a indústria farmacêutica ganha dinheiro com doença. Na verdade, ganhamos dinheiro para salvar vidas. Graças a esse desenvolvimento que a gente faz e aos bilhões de dólares, de reais, de ienes, de todas as moedas que são feitas e que são investidos pela indústria farmacêutica em todos os lugares do mundo, temos alcançado esse nobre objetivo de dar qualidade de vida às pessoas e de salvar vidas. Essa é a missão da indústria farmacêutica.

Pilares do ecossistema proposto pelo Sindusfarma para promover o acesso aos medicamentos no Brasil

- Centro de Inteligência em Saúde: encarregado de consolidar dados de saúde da população (novos e existentes), para conferir mais eficiência ao processo de compras e fornecimento de medicamentos e dar a estados e municípios recomendações de oferta de produtos e serviços de acordo com as necessidades regionais.
- Programa de Aceleração da Inovação: encarregado de melhorar a articulação das diversas instituições e agências (INPI, Anvisa, etc.) envolvidas no processo de entrada de medicamentos inovadores no País, para reduzir prazos e aperfeiçoar os critérios de incorporação.
- Programa de Modernização do Mercado Farmacêutico: encarregado de analisar e redefinir a regulação econômica do mercado de medicamentos, para eliminar suas distorções e seu emaranhado fiscal e tributário; o estudo propõe a desoneração completa das compras públicas de medicamentos e a liberação de preços para mercados com ampla competição.
- Força-tarefa de Redução da Judicialização: encarregada de projetar e inserir no planejamento orçamentário da saúde os gastos com medicamentos solicitados por ação judicial já incorporados ao SUS e de ampliar o conhecimento dos profissionais prescritores, para garantir melhor uso dos recursos públicos e acesso mais rápido às terapias.

 

Fonte: PFarma, escrita por SINDUSFARMA